domingo, 29 de abril de 2012

O hic et nunc de Bob Dylan


No dia 24 de Abril de 2012, Bob Dylan veio mais uma vez à capital gaúcha para enlouquecer os fãs. Enlouquecer em todos os sentidos. Primeiro os ingressos esgotaram rapidamente, depois veio a proibição de qualquer imprensa e registro do espetáculo. Não compareci ao show, mas como admiradora do trabalho do velho fanho e antipático, me sinto no direito de comentar o tão polêmico acontecimento.

Dylan, no auge dos seus 70 anos não mudou muito. Quem acompanha a sua carreira sabe que Dylan não é o artista mais simpático do mundo, na verdade, ele não é nem um pouco simpático, mas também não faz questão de ser. Entretanto, sua simpatia ou a falta dela, tão pouco importam se comparadas à sua genialidade, seu cunho poético, sua carreira e seu enorme talento. Um fanho ranzinza, porém sensível e muito inteligente, que a cada show faz com que seu trabalho não perca a “aura”.

A aura é discutida por Walter Benjamin, sendo colocada como a essência da algo original, único, de momento, e que ao ser reproduzido, tem a aura perdida. Segundo Bejamin, “A mais perfeita reprodução falta algo, o hic et nunc (autenticidade) o aqui e agora, presença única e irrepetível”. Na sua análise, ele se refere mais especificamente sobre o cinema, mas também cita a cultura em geral e suas reproduções em massa. Fotografia, cinema, televisão, cópias, enfim, qualquer tipo de reprodução extingue a aura pertencente somente ao original. Creio, então, que essa discussão possa se aplicar aos espetáculos proporcionados por Dylan.

Um dia desses li que Dylan não faz cover dele mesmo. É exatamente aí que podemos juntar a teoria de Walter Benjamin com a posição do velho Dylan em relação aos seus shows. Em tempos de reproduções descontroladas, fica difícil manter a autenticidade, o momento único de algo. Porém, Dylan ainda tenta. Em cada show, não é possível ouvir meras reproduções de suas composições. É tudo novo, único, com arranjos e mudanças feitas na hora, sentidas e projetadas pelo próprio compositor. A aura está ali, só ali, no agora. Nenhum show do mestre é igual ao outro. Nenhuma música é tocada como em seus álbuns ou como se espera ouvir. Tudo é novidade, tudo é o momento, tudo se resume à aura que Dylan faz questão de não abolir, ao menos em seus shows.

O veto da presença da imprensa, também qualifica a autenticidade do momento. Nada de reproduções posteriores. Nada de fotografia, de réplicas, de gravações. Só o momento. Só você, o artista e a aura. Um espetáculo do velho antipático pode não ser dos mais animados, e muito menos dos mais interativos. No entanto, não é isso que o velho Dylan quer. Afinal, com tantos anos de carreira, e tanta sensibilidade musical, ele ainda sabe muito bem o que quer e o que faz ali. Ele sabe que ao final de cada espetáculo, aquele momento permanecerá único. E, ao final de tudo, só sobrará ele, você e a aura, na sua forma mais pura.

Talvez eu e algumas pessoas não tenhamos a mesma sensibilidade de Dylan, o que torna difícil comparecer a um espetáculo onde o artista não interage com o público. Como opinião pessoal, digo que o que me atrai em um espetáculo é isso, a interação. Critério que nos shows promovidos por Dylan, é deixado a desejar. Porém, não podemos negar que em tempos como os de hoje, onde quase nada mais é original, onde a reprodução é a nossa amiga mais íntima, conseguir fazer algo tão único e manter o seu hic et nunc é espetacular.


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