No dia 24 de Abril de 2012, Bob Dylan veio mais uma vez à
capital gaúcha para enlouquecer os fãs. Enlouquecer em todos os sentidos. Primeiro
os ingressos esgotaram rapidamente, depois veio a proibição de qualquer
imprensa e registro do espetáculo. Não compareci ao show, mas como admiradora
do trabalho do velho fanho e antipático, me sinto no direito de comentar o tão
polêmico acontecimento.
Dylan, no auge dos seus 70 anos não mudou muito. Quem
acompanha a sua carreira sabe que Dylan não é o artista mais simpático do
mundo, na verdade, ele não é nem um pouco simpático, mas também não faz questão
de ser. Entretanto, sua simpatia ou a falta dela, tão pouco importam se
comparadas à sua genialidade, seu cunho poético, sua carreira e seu enorme
talento. Um fanho ranzinza, porém sensível e muito inteligente, que a cada show
faz com que seu trabalho não perca a “aura”.
A aura é discutida por Walter Benjamin, sendo colocada como
a essência da algo original, único, de momento, e que ao ser reproduzido, tem a
aura perdida. Segundo Bejamin, “A mais perfeita reprodução falta algo, o hic et
nunc (autenticidade) o aqui e agora, presença única e irrepetível”. Na sua
análise, ele se refere mais especificamente sobre o cinema, mas também cita a
cultura em geral e suas reproduções em massa. Fotografia, cinema, televisão,
cópias, enfim, qualquer tipo de reprodução extingue a aura pertencente somente
ao original. Creio, então, que essa discussão possa se aplicar aos espetáculos
proporcionados por Dylan.
Um dia desses li que Dylan não faz cover dele mesmo. É
exatamente aí que podemos juntar a teoria de Walter Benjamin com a posição do
velho Dylan em relação aos seus shows. Em tempos de reproduções descontroladas,
fica difícil manter a autenticidade, o momento único de algo. Porém, Dylan ainda tenta.
Em cada show, não é possível ouvir meras reproduções de suas composições. É
tudo novo, único, com arranjos e mudanças feitas na hora, sentidas e projetadas
pelo próprio compositor. A aura está ali, só ali, no agora. Nenhum show do
mestre é igual ao outro. Nenhuma música é tocada como em seus álbuns ou como se
espera ouvir. Tudo é novidade, tudo é o momento, tudo se resume à aura que
Dylan faz questão de não abolir, ao menos em seus shows.
O veto da presença da imprensa, também qualifica a autenticidade
do momento. Nada de reproduções posteriores. Nada de fotografia, de réplicas,
de gravações. Só o momento. Só você, o artista e a aura. Um espetáculo do velho
antipático pode não ser dos mais animados, e muito menos dos mais interativos.
No entanto, não é isso que o velho Dylan quer. Afinal, com tantos anos de
carreira, e tanta sensibilidade musical, ele ainda sabe muito bem o que quer e
o que faz ali. Ele sabe que ao final de cada espetáculo, aquele momento permanecerá
único. E, ao final de tudo, só sobrará ele, você e a aura, na sua forma mais
pura.
Talvez eu e algumas pessoas não tenhamos a mesma
sensibilidade de Dylan, o que torna difícil comparecer a um espetáculo onde o
artista não interage com o público. Como opinião pessoal, digo que o que me
atrai em um espetáculo é isso, a interação. Critério que nos shows promovidos
por Dylan, é deixado a desejar. Porém, não podemos negar que em tempos como os
de hoje, onde quase nada mais é original, onde a reprodução é a nossa amiga
mais íntima, conseguir fazer algo tão único e manter o seu hic et nunc é
espetacular.